Filhos: Amar é uma possibilidade. O cuidado é uma obrigação civil.
A lei determina aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, educação e convivência familiar de seus filhos, bem como, preservá-los de negligência, discriminação e violência. Apesar de ser o mais adequado, de acordo com a sociedade, não há como obrigar os pais a amar um filho, mas a legislação brasileira garante o direito ao cuidado.
Os responsáveis pela manutenção dos filhos que ignoram o dever geral de cuidado podem ser responsabilizados juridicamente por causar danos morais.
A Constituição de 1988 determina que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Quando um dos pais, ou mesmo ambos, não presta assistência psicológica, moral e social aos filhos, eles estão negligenciando o dever de cuidado. Abandonar afetivamente significa prejudicar o desenvolvimento, comportamento e o futuro dos filhos.
É por meio do contato familiar que as crianças desenvolverão fortes laços de afeto e proteção, assim, a estrutura familiar é baseada no amor mútuo, respeito e dedicação. Esses pilares são importantes para o progresso do desenvolvimento de seus filhos e de suas personalidades.
Atualmente, não existe uma lei específica que proíba o abandono afetivo, mas em 2019 foi aprovado no Senado, na Comissão de Direitos Humanos, um projeto de lei que modifica o Estatuto da Criança e do Adolescente.
No caso, trata-se do projeto de lei número 3.212, de 2015. Esse projeto permite que as crianças recebam indenização por danos do genitor que não fornece apoio emocional.
Isso pode significar desde morar junto, até fazer visitas periódicas, mas o projeto de lei ainda não está em vigor, o que pode mudar no futuro, já que tramita com prioridade. Por isso, alguns juízes já estão julgando os pais por abandonarem seus filhos emocionalmente.
Para provar o abandono afetivo, a ilegalidade do direito civil deve ocorrer na forma de omissão, ou seja, se o genitor abandonar o filho emocionalmente, ele terá que reparar o dano causado a ele pagando uma indenização. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente protege a infância na seguinte redação:
Art. 5º – Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. (Grifo nosso)
Podemos citar, ainda, o art. 1.634 do Código Civil, no qual são elencados os deveres dos pais em relação aos seus filhos:
Art. 1.634 – Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I – dirigir-lhes a criação e a educação;
II – exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
(…)
VII – representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (…)
Note-se que, nessa lista, há a responsabilidade civil extensa para defender os interesses e guiar a infância em um caminho que forme um adulto saudável, não apenas fisicamente, mas que seja capaz dos atos da vida civil.
Então, fica claro que a negligência e omissão do genitor, ou responsável legal, na presteza de suprir as necessidades afetivas das crianças causam danos profundos na identidade do indivíduo que está sendo formado.
Evitar o abandono afetivo não significa mimar ou “estragar” a criança, pelo contrário: na infância, tudo o que é visto e ouvido será recolhido e armazenado. A criança não tem discernimento para distinguir o que é bom ou ruim e, assim, absorve todos os acontecimentos em sua memória, sem avaliá-los.
Na psicologia, essas construções mentais são chamadas de crenças negativas e limitantes, que só se manifestam na idade adulta e trazem consigo danos psicológicos: medos, ansiedade, insegurança e até transtornos mentais são algumas das consequências.
O indivíduo que sofre com traumas, mesmo que adulto, costuma ter dificuldades para conviver em sociedade, se relacionar, apresentando baixa autoestima e agressividade. Na verdade, mesmo se já for paga uma pensão alimentícia, o filho ainda pode estar abandonando emocionalmente, pois, tanto pela sociedade quanto pela lei, as crianças não devem ter que se preocupar com finanças.
Destaque-se que há diferença entre abandono material e abandono afetivo. Pois quando o responsável deixa de prover, sem justa causa, a subsistência do filho menor de 18 anos, acontece o abandono material, mas se há a indiferença afetiva, ou desprezo, de um genitor em relação a seus filhos, caracteriza-se o abandono afetivo. Ainda fala-se sobre abandono intelectual, que é quando o responsável deixa de garantir a educação primária de seu filho, sem justa causa.
Adicionalmente, alguns juízes até mesmo interpretam que pode caber a aplicação do art. 133 do código penal, sobre o abandono de incapaz, quando for cabível, que diz: “Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono: Pena – detenção, de seis meses a três anos”.
Dado o exposto percebe-se a relevância da matéria, e indaga-se até que ponto o judiciário está pronto para agir, despertando interesse nas decisões que se seguirão a partir daqui.


